Dificuldades de aprendizado
Crianças com dificuldade de aprendizado sugerem alguma alteração mais séria como o Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), porém podem apresentar alterações fisiológicas como respiração bucal e Síndrome da Apnéia Obstrutiva do Sono (SAOS). Como as três alterações podem estar presentes simultaneamente e possuem sintomas semelhantes, o diagnóstico diferencial se faz necessário para tratamento adequado. Devemos nos lembrar que diagnóstico correto, tratamento correto. O diagnóstico e tratamento são multidisciplinares e os profissionais envolvidos para o são o dentista, médico otorrinolaringologista e psiquiatra. Para melhor entendimento, faremos uma breve descrição das possíveis causas para a dificuldade de aprendizado citada acima.
Respiração bucal
É um sintoma freqüente na infância e mais comum em meninos. A síndrome do respirador bucal caracteriza-se por cansaço freqüente, sonolência diurna, adinamia, baixo apetite, ronco noturno e até déficit de aprendizado e atenção. As crianças com respiração oral prolongada apresentam alterações faciais características como: aumento vertical do terço inferior da face, arcos dentais estreitos, palato em ogiva (céu da boca profundo), má oclusão dentária (mordida aberta, incisivos superiores protruídos, mordida cruzada), a posição do osso hióide mais baixa, lábio superior curto, lábio inferior invertido, incompetência labial (os lábios não se fecham passivamente), alterações da postura de língua em repouso, na deglutição e na fala, alterações da mastigação e vocais, além de alterações posturais. Crianças com hiperplasia de adenóide e amídalas apresentam maior freqüência de roncos e apnéia do sono, assim como mau desempenho escolar, bruxismo, ronco e agitação noturna. Assim, a investigação de Síndrome da Apnéia Obstrutiva do Sono (SAOS) na criança com respiração bucal é fundamental e assim como a determinação da sua causa.
Sindrome de apneia obstrutiva do sono SAOS
Tem prevalência em crianças de 0,7-3%, com pico de incidência nos pré-escolares. Fatores anatômicos como obstrução nasal severa por cornetos hipertrofiados, alterações de formações craniofaciais, hipertrofia do tecido linfático da faringe, anomalias laríngeas, e funcionais (doenças neuromusculares) predispõem à SAOS na infância. Com foi visto anteriormente, a principal causa da SAOS em crianças é a hipertrofia da adenóide e amídalas. As manifestações clínicas mais comuns são: ronco noturno, pausas respiratórias (apnéia), sono agitado e respiração bucal. O dentista tem condição de suspeitar e sugerir uma hipótese de diagnóstico, através da anamnese, analise do padrão esqueletal, tipo de respiração, profundidade do palato (céu da boca), forma e curvatura dos arcos dentais. Entretanto, o diagnóstico deverá ser feito pelo médico otorrinolaringologista. A oximetria de pulso noturna, a gravação em áudio ou vídeo dos ruídos respiratórios noturnos, a polissonografia breve diurna e em laboratório de sono durante uma noite inteira são métodos úteis para triagem dos casos suspeitos de SAOS em crianças. Ao contrário dos adultos com SAOS, as crianças costumam apresentar menos despertares associados aos eventos de apnéia e maior número de apnéias/hipopnéias durante o sono. O tratamento da SAOS pode ser clínico (higiene do sono, pressão positiva contínua nas vias aéreas) ou cirúrgico para remoção da adenóide, correção de anomalias craniofaciais com tratamento ortodôntico associado ou não a cirurgia ortognática.
CRESCIMENTO E METABOLISMO
A apnéia promove a diminuição do oxigênio sangüíneo na fase de sono REM (fase de movimento rápido dos olhos) e o despertar. Esta fragmentação do sono acarreta sonolência diurna e parece impedir a estimulação de centros cognitivos durante o crescimento cerebral. Existem três teorias para explicar a ocorrência de retardo de crescimento em crianças com SAOS: 1. Redução da produção de hormônio de crescimento; 2. Redução do aporte calórico pela anorexia/disfagia nas crianças com hipertrofia da adenóide e amídalas; 3. Maior gasto energético pelo esforço respiratório noturno. O hormônio de crescimento (GH) é secretado durante os estágios profundos do sono de ondas lentas. Supõe-se que ocorra diminuição da secreção noturna do GH nos pacientes com SAOS. De fato, os níveis sangüíneos de “insulin growth factor” 1 (IGF-1), principal mediador das ações do GH, e de “insulin growth factor binding protein” (IGFBP-3) são menores nas crianças com SAOS do que nas normais. Após a remoção da adenóide e amídalas, esses níveis se normalizam. Em estudo feito por Sheldon Cohen, psiconeuroimunologista na Carnegie Mellon University, em Pittsburg, Pensilvania e líder do grupo com trabalho publicado nos Archives of Internal Medicine, revelou que pessoas que dormem sete horas por noite são três vezes mais suscetíveis a resfriados que as que passam mais de oito horas dormindo. “O que mais intriga nesse estudo é como pequenas diferenças no sono podem ter impacto na nossa vulnerabilidade aos vírus”, observa.
FUNCOES COGNITIVAS, aprendizado e comportamento.
A sonolência excessiva diurna é uma das principais queixas dos adultos com SAOS, já que o sono é fragmentado. Nas crianças, o menor número de despertares e a relativa preservação da arquitetura do sono fazem com que esse sintoma seja menos freqüente. Em um estudo de testes de inteligência, memória e atenção em 16 escolares encaminhados para tratamento do ronco, foi detectado prejuízo do desempenho cognitivo dessas crianças em relação a 16 controles normais da mesma idade. As crianças com ronco tiveram déficit de inteligência e atenção, mesmo sem hipersonolência diurna. Presume-se que o déficit de atenção comprometa o processamento e o registro de informações, reduzindo a capacidade de aprendizado das crianças com SAOS. Outro estudo avaliou a prevalência de distúrbios respiratórios do sono em 782 crianças com mau desempenho na primeira série do ensino fundamental em escolas públicas dos EUA. Fez-se uma entrevista com os pais sobre sintomas respiratórios dos filhos e, posteriormente, as crianças foram submetidas à oximetria de pulso e capnografia durante uma noite. A prevalência de ronco primário nessa amostra foi de 22,2%, e a de distúrbios respiratórios do sono, de 18,1%. Vinte e quatro crianças com distúrbios respiratórios do sono foram submetidas à remoção da adenóide e amídalas, e suas notas escolares melhoraram significativamente no ano seguinte à cirurgia. Neste mesmo estudo, constatou-se que cerca de 28% das crianças com hipertrofia da adenóide e/ou amídalas têm alterações de comportamento como agressividade e hiperatividade e que a prevalência de ronco noturno habitual entre 143 crianças com TDAH é de 30%.
Transtorno do deficit de atencao e hiperatividade
É uma síndrome psiquiátrica de alta prevalência em crianças e adolescentes (3% – 5% das crianças em idade escolar, porém, este dado sofre uma variação que gira em torno de 1% – 20% de acordo com vários autores). É mais frequente no sexo masculino e caracterizado por padrão persistente de desatenção, hiperatividade e impulsividade mais intensos quando comparados a indivíduos no mesmo nível de desenvolvimento. Alguns dos sintomas podem estar presentes antes dos sete anos, embora a maioria seja diagnosticada posteriormente, podendo observá-los em diversas situações como em casa, na escola ou no trabalho, em caso de adultos. Deve ser clara a interferência com o desenvolvimento social, acadêmico ou funções ocupacionais.
Os sintomas de impulsividade
freqüentemente dar respostas precipitadas antes das perguntas terem sido concluídas;
com freqüência ter dificuldade em esperar a sua vez;
freqüentemente interromper ou se meter em assuntos de outros.
O processo de avaliação diagnóstica envolve necessariamente a coleta de dados com os pais, com a criança e com a escola. Normalmente existe baixa concordância entre informantes (criança, pais e professores) sobre a saúde mental de crianças. Os pais parecem ser bons informantes para os critérios diagnósticos do transtorno, enquanto que os professores tendem a superestimar os sintomas de TDAH em crianças. Com adolescentes, a utilidade das informações dos professores diminui significativamente, devido ao número maior de professores (currículo por disciplinas) que permanecem pouco tempo em cada turma, o que impede o conhecimento específico de cada aluno.
O TDAH usualmente é tratado com medicamentos e acompanhamento psiquiátrico, mas o pediatra e dentista devem ficar alerta para a coexistência de distúrbios respiratórios do sono nessas crianças.
Concluímos que as crianças e adolescentes respiradores bucais, portadoras de SAOS e TDAH possuem má qualidade de vida e seu diagnóstico precoce, com tratamento multidisciplinar correto, propiciará melhora significativa de seu desenvolvimento físico, mental, intelectual e social.
REFERENCIAS
Amaral; A H & Guerreiro, M M. Transtorno do déficit de atenção e hiperatividade. Proposta de avaliação neuropsicológica para diagnóstico.
Arq Neuropsiquiatr 2001;59(4):884-888
Balbani, A P S; Weber, S A T &Montovani, J C. Atualização em síndrome da apnéia obstrutiva do sono na infância.
Rev Bras Otorrinolaringol.V.71, n.1, 74-80, jan./fev. 2005
Cahali, M B. Conseqüências da Síndrome da Apnéia Obstrutiva do Sono.
Rev Bras Otorrinolaringol 2007; 73(3):290
Di Francesco, R & Colab. Respiração oral na criança: repercussões diferentes de acordo com o diagnóstico.
Rev Bras Otorrinolaringol 2004 ;70(5), 665-70
Lorenzi Filho, G; Magalhães, F & Viegas C A A. Acorda pneumologista!
J Bras Pneumol. 2006;32(4):382-4
Rohde; L A & Colab Transtorno de déficit de atenção/hiperatividade.
Rev Bras Psiquiatr 2000;22(Supl II):7-11
Salles, C; Campo, P S F; Andrade; N A & Daltro; C. Síndrome da apnéia e hipopnéia obstrutiva do sono: análise cefalométrica.
Rev Bras Otorrinolaringol.2005;71():369-72
Silva, V C & Leite, A J M. Qualidade de vida em crianças com distúrbios obstrutivos do sono: avaliação pelo OSA-18.
Rev Bras Otorrinolaringol 2006;72 (6) 747-56
Uema, S F & Cols. Avaliação da função cognitiva da aprendizagem em crianças com distúrbios obstrutivos do sono.
Rev Bras Otorrinolaringol 2007;73(3):315-20.
Vasconcelos, M M & Colab. Contribuição dos fatores de risco psicossociais para o Transtorno de Deficit de Atenção/Hiperatividade
Arq Neuropsiquiatr 2005;63(1):68-74
Vasconcelos; M M & Colab. Prevalência do transtorno de déficit de atenção/hiperatividade numa escola pública primária.
Arq Neuropsiquiatr 2003;61(1):67-73